quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Um corretivo para Pedrão

- Que significa isso, ô pastel? Vem uma hora dessas na casa dos outros com essa merda de papelzinho e diz que se eu não for até a delegacia vou em cana? Qual é, seu bunda mole? Vai ficar com essa cara de bunda me olhando? Cái fora, ô mané! Vaza...
- Primeiramente, senhor Pedro Severino de Jesus...é este o seu nome?
- É sim, mané...
- Pois bem. O senhor está desacatando um oficial de justiça na presença de dois policiais.
- Conversa mole...cadê os merdas dos policiais? E o oficial é você, sua minhoquinha?
- Positivo. E os policiais estão à paisana. Senhores...
- Teje preso, animár! E fica pianinho que tua batata tá assando!
- Éé...tem uma surpresinha lá na DP procê, miserávi. Mas primêro veste uma ropa, ô qué ir de cuequinha samba-canção vermelhinha pro xilindró? Se bem que, quáquáquá...os seus companhêro de cela vão sabê lhe apreciá...

Mingau quente se come pelas beiradas...

- Misericórdia, Dolores, o que foi aquilo??
- O Pedrão está com os dias contados...
- Aquele monstro! Ái amiga...o que quer que você decida fazer, eu te dou todo meu apoio. Você quer capar ele e dar para o almodôvar comer? Quer chamar o pessoal da cooperativa pra dar uma coça nele? Quer dar chumbinho, um grãozinho por dia, pra ver ele morrendo devagar?
- Não Adelaide, minha fiel escudeira. Não vou sujar as minhas mãos nem vender minha alma ao diabo por causa daquele infeliz. E o almodôvar está acostumado a comer ração de primeira qualidade, jamais daria carne podre pro meu filhote comer...
- Você vai deixar assim, de graça?
- Claro que não. Mas tenho que agir de cabeça fria, por isso me matriculei na ioga do Mestre Xaxim.
- Vai fazer ioga nesse estado, cê tá um caquinho, amiga! Desculpe a sinceridade...
- Não tem nada que pedir desculpa, Delái. E essas dores não são nem um terço do que eu estou sentindo aqui dentro...
- O que você pretende fazer agora?
- Continuar vivendo, mas antes...
- Já sei! Eu vou até lá com você. Deixa eu primeiro tirar essa máscara de pepino da cara, hihihi...

Caindo das nuvens

Cansei dessa vida de carência. Pedrão só queria meu dinheiro. Levou embora minhas economias, raspou o cofre de latão, vasculhou minhas gavetas, a dispensa. Pegou o que podia (até meu disco de boleros, que ele dizia que era música de mal gosto...). Só deixou dele algumas manchas roxas a granel pelo meu corpo, elogios indizíveis e dois dedos da aguardente mais barata que existe no mercado. As manchas vão sair com pomada, em alguns dias. A dor no corpo também. Mas a outra dor, não. Vai me acompanhar a vida inteira, vai ser meu sinal de alerta contra a aproximação de tipos como ele.

sábado, 14 de junho de 2008

Terrível dilema

-Marcolina, minha filha, você precisa me ajudar!
-Que foi que teve dessa vez, Dolorita?
-O Pedrão voltou a me procurar, prometeu que dessa vez quer tudo sério, tudo direitinho. Que outro homem na minha vida ele não vai admitir porque agora vai ser tudo preto no branco, tudo de papel passado, que vai me dar dois dias pra pensar e enquanto isso ele vai arrumando as trouxas dele, vai levando lá pra casa. Ái meu Deus o quê que eu faço? Logo agora que eu já tava me ajeitando tão direitinho com o Álvaro César, já tô quase convencendo ele de que a gente tem que se juntar, que esse negócio de cada um num canto isso não dá certo. Me aparece o Pedrão!
-Oh minha amiga, pois você tá é bem servida. Imagina, dois homem pra uma mulher só. Ái se fosse comigo...
-Ô Marcolina, isso não é hora pra brincadeira! Você sabe que eu não quero mais saber do Pedrão. Com ele não tem futuro. Ele motorista de ônibus, já viu? E sem contar o jogo...ele tá me devendo uma nota. É minha filha, se eu não emprestasse o cara lá disse que cortava o dele fora...Vige! Não gosto nem de pensar, por isso paguei. Imagina o Pedrão sem...
(continua)

A briga e as pazes

A luz da cozinha está acesa. Fumo uma cigarrilha de chocolate enquanto provo doce licor de uva e nos intervalos mordo algumas salsichas em conserva. Ele não ligou nem escreveu. Hoje é o aniversário do nosso quinto mês de namoro. Eu também não liguei. Brigamos porque eu estava experimentando sapatos caríssimos na Bom Chulé, sapatos que meu cheque especial não pode comprar. Experimentando, minha amiga Judite sempre me diz, "experimentando a gente atrai a energia e um dia a gente consegue, de tanto que desejou". Mas o Álvaro César não entende essas coisas. Ele ficou sentado na praça de alimentação, o tempo todo de cara amarrada porque tinha perdido o jogo do Flamengo e, na pressa, esqueceu o bendito radinho de pilha no carro. Bem feito! Detesto aquele radinho cafona que ele gruda no ouvido pra acompanhar o campeonato. Mas eu queria tanto que ele estivesse aqui...Daí eu ia toda pequeneninha pra junto dele, fazer as pazes toda mansinha, concordando que a culpa foi toda minha mas que ele não me judiasse não senhor, que da próxima vez eu ia pro shopping sozinha ou com a Judite ou com Zefinha. Vige, a campainha!
- Oi morena...
- Oi meu dengo...
- Eu vim te trazer um presente e pedir pra gente ficar logo na boa, que eu não gosto de brigar contigo não...
- Oh meu dengo, você comprou o sapato, misericórdia! É muito caro!
- Mas você merece, morena. E também merece que eu te pegue assim ó...
- Ái Césinha...entra pra dentro, os vizinhos vão ficar tudo olhando, morro de vergonha!
- Já tô entrando...

O Anúncio

- Não sei quanto tempo vou conseguir ficar sem homem, por isso escrevi este anúncio...
- Que horror, Dolores! Um anúncio para arrumar marido?!
- Não precisa ser necessariamente meu futuro marido. Quero apenas um homem pra esquentar meus pés nas noites frias de junho, pra comer minha comida, pra trocar meu gás, me ajudar com algumas despesas, brigar e depois fazer as pazes...não tem que ser marido!
- Arre, se não é marido é o quê então?
- Marcolina, você vai ler ou não?
- Tá, eu leio...
"Morena, 31 anos, solteira. Procuro homem desimpedido e com boas intenções para relacionamento amoroso duradouro."
- Ô minha amiga, boa sorte!
- É disso mesmo que eu tô precisando. Vai ser como achar agulha no palheiro!

Feliz Dia dos Namorados?

Ah meu bem, não me cobre uma fidelidade impossível!
sou assim, solta...
sou dada a noites viradas
nas mais loucas companhias (você nem sonha quais seriam essas companhias...)
ora você...
sempre tão previsível
esquecendo nossas datas mais importantes
esquecendo de usar a água de colônia que lhe dei (terá entornado no vaso de violeta, matando a pobre planta?)
falando pelos cotovelos sobre as coisas que você sabe porque afinal você é o meu papai-sabe-tudo...
cadê o brilho nos olhos?
cadê o bombom aberto no meio da sessão-matinê?
cadê os gestos sutis, sugerindo tanta coisa que as palavras são impossíveis de?
não, jamais serei fiel
não enquanto você continuar me tratando como uma gravata borboleta.

Covardia

Acordei ao teu lado e não entendi o que diabos estava fazendo ali, naquele motel, na tua companhia. Sim, eu lembro de tudo...do banho morno e de você me prensando contra a parede sem me deixar nem respirar. Então aquilo era tesão? Desculpe eu não ter entrado no clima...me falta entusiasmo quando estamos juntos. Você nu ao meu lado naquela cama estranha, sempre bem disposto. Eu querendo tanto que aquilo acabasse logo...Você se contenta com o pouco que te ofereço...É que pra você é uma questão de honra levar mais uma pra cama. Mais uma pra sua coleção cama mesa e banho...Nem nota que já faz muito tempo que eu transo com você por falta de opção, por comodismo, por covardia de ir atrás do que realmente faz sentido pra mim.

Sonho murcho

Nunca, homem, depois do nosso sexo, consegui ter uma mínima ilusão de sentimento...Nem teu toque - o toque áspero das tuas mãos grandes demais - , nem teus beijos demasiado molhados, nem o calor do teu corpo pré-aquecido por outras chamas que não a minha...nada disso, homem, me fez sonhar um instante sequer com um futuro sentimental ao teu lado. Porque temos desde cedo esse silencioso trato de não nos entregarmos - você encontrou em mim a cópula sem culpa, sem ter que nada prometer ou cumprir, sem satisfações a dar. Sabe por quê, homem? Porque eu nunca esperei quase nada de você...você é pra mim uma revista no saguão de espera de um aeroporto lotado e não sei quando nem pra onde vou embarcar. Mas vou. Sei que é pra longe dessa nossa esterilidade...Mas não me queira mal, homem...nem bem. Não me queira mais. Enjoe de mim, do meu sabor. Enjoe do meu cheiro e da maciez da minha pele. E, por favor, não olhe pra trás quando for embora. Nem se despeça. Você nunca esteve.